Por Mônica Dias Martins e Bernardo Mançano Fernandes | October 12, 2020
Durante a pandemia que assola o planeta, a Amazônia com uma extensão de 7 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo territórios de 9 países, sofre uma nova ofensiva capitalista, neocolonialista e etnocida respaldada pela cumplicidade ou inércia dos governantes.
Os povos da floresta persistem sendo submetidos à violência do genocídio cultural e físico por parte de grandes empresas agropecuárias e extrativistas (madeireiras e mineradoras), em especial os povos isolados. A devastação ambiental ameaça diretamente o modo de vida das populações indígenas que ao perder seu entorno natural veem desaparecer suas fontes de alimentação, têm suas águas contaminadas, perdem seus espaços de convívio social e religioso. Desde sempre o contato com o “homem branco” encontra corpos fortes e sadios, mas despreparados para reagir às enfermidades da “civilização ocidental”.
Os problemas ambientais e sociais são gigantescos e há resistências, sendo notável o surgimento de uma gama variada e crescente de militantes e cientistas indígenas. O modo de gestão territorial indígena e a ideia de florestania (em contraposição à cidadania) são duas importantes contribuições ao reivindicar um lugar na sociedade sem renunciar a sua identidade indígena.
II
No Brasil, país que concentra a maior parte do território e da população da Amazônia, aumentam assustadoramente os casos de pessoas infectadas e de mortes pelo COVI-19, apesar de não se dispor de estatísticas oficiais confiáveis devido à subnotificação e ao ocultamento de dados por parte das instituições públicas, a exemplo da Secretaria Especial de Saúde Indígena e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A situação é agravada com o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) e o fim do Programa Mais Médicos (novembro de 2018), que contou com ajuda de 8.600 médicos cubanos em 3.600 municípios atendendo cerca de 113,3 milhões de pacientes nas localidades mais inóspitas do país. É notória a negação pelo atual presidente brasileiro da seriedade da pandemia, dificultando medidas rápidas e eficazes para seu enfrentamento, particularmente para proteção daquelas pessoas em situação de risco e vulnerabilidade.
A tragédia que se anuncia para as próximas semanas afeta tanto os indígenas que vivem nas aldeias quanto os que habitam as áreas urbanas das grandes cidades da região. Estima-se que sejam cerca de quase um milhão de pessoas, em sua maioria morando em zonas rurais afastadas e que não tem recebido o devido tratamento do Estado brasileiro. Considerando que grande parte das terras indígenas ainda não foram demarcadas (237 processos aguardam homologação), a insegurança é ainda mais gritante. O isolamento social não preocupa aos que praticam impunemente ações ilegais na região amazônica, se aproveitando da falta de fiscalização e de uma gestão político-administrativa favorável à legalização da grilagem de terras, ao desmatamento e aos empreendimentos multinacionais.
III
Está na Amazônia a maioria das terras indígenas em situação crítica para a pandemia do COVID-19. Estudo realizado pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) mostra que das 471 terras indígenas avaliadas, 239 apresentam índices de vulnerabilidade intensos ou altos, com base em fatores como a distância de centros com unidades de terapia intensiva, saneamento e porcentagem de idosos na população, entre outros.
O relato de alguns casos permite tirar do anonimato algumas vítimas do Covid-19, como o do jovem Yanomami de 15 anos, natural da aldeia Rehebe, em Roraima; o de uma mulher da etnia Borari, de 87 anos, em Alter do Chão, Santarém (PA); o de um homem de 55 anos, do povo Mura, em Manaus (AM). Chama atenção, ainda, a recente morte (28.04) de um professor, músico e compositor Tikuna, uma das etnias mais populosas do Brasil, enterrado em vala coletiva na cidade de Manaus sob protestos da comunidade Wotchimaücü, da qual era vice cacique.
Em um contexto neoliberal de corte de gastos públicos, o sistema de saúde se encontra com sua capacidade limitada e há uma carência de leitos de UTI, o que diminui a possibilidade de atendimento a pessoas, normalmente desassistidas, mesmo agora estando contaminadas com o coronavírus. Diante deste triste quadro, os indígenas veem tomando iniciativas para evitar o vírus, seja mediante bloqueio por conta própria do acesso às aldeias, seja por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil para envio de carta aos governadores reivindicando planos emergenciais, seja pressionando a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
Membros do Comitê Diretor do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO)
Mônica Dias Martins Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Estadual de Ceará – PPGS/UECE, Brasil
Bernardo Mançano Fernandes
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista – PPGG/UNESP, Brasil
Posted by LAP Outreach Coordinator at 6:57 AM No comments:
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Labels: Amazon, Amazonia, Brazil, COVID-19, Latin America